ECCE HOMO 


fui criada no tempo dos preconceitos e da ignorância
não tenho saudade da minha infância
os meninos na escola me chamavam menina preta
terminava a aula às onze 
então passava pela rua direita para ver a loja de seu luizinho
ver as sedas no balcão
mas na loja de sapatos o vendedor era sempre de gestos bem grosseiros
me desculpe moço, estou só olhando…
em casa, a tarefa era diária
lavava os pratos, talheres e panelas
areava a louça com areia fina
ouvia falar do bombril, mas era coisa de moça granfina
eu pensava…
quando crescer quero vestir vestido de seda, sandália de salto
quero usar batom, esmalte nas unhas e anel no dedo
e não quero lembrar do meu tempo de menina
fiquei moça simples, também casei
virei esposa, mãe e vó
conversei muito... com todos
fiquei conhecida na cidade
o tempo andou
fiquei velha e feia
meu esposo se separou de mim
dou conta das minhas obrigações
pago minhas contas
hoje saio e chego a hora que quero
trabalho
sou membro da academia de letras
sou convidada para festas e casamentos
passeio mais que borboleta
sou tratada com gentileza
escrevem meu nome:
"senhora dona marieta"
vou nas festas de romaria

era isso mesmo que eu queria
não acaba não mundão!

 Marieta de Souza Amaral
Textos elaborados a partir da publicação do original Majestade Sabiá de Marieta de Sousa Amaral com revisão da autora para a obra Ecce Homo

Romances não criativos - Luciene Azevedo 
"… Minha reflexão, então, tem como fundamento teórico a noção de “escrita não criativa” tal como elaborada por Kenneth Goldsmith (2011) para pensar a prática da apropriação de outros textos posta em operação por algumas narrativas da literatura contemporânea brasileira, tais como Opsanie Swiata, de Verônica Stigger, ou Sujeito oculto, de Cristiane Costa, acreditando que tais formas provocam um redimensionamento valorativo da noção de obra, de originalidade e do próprio conceito de literatura."
ECCE HOMO - Marieta
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ECCE HOMO - Marieta

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