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Funcionalismo de Malinowski e de Radcliffe-Brown

Funcionalismo de Malinowski e Funcionalismo de Radcliffe-Brown

O início do século XX é marcado pelos debates críticos acerca da Escola Evolucionista e demais “correntes antropológicas de gabinete”, as quais eram pautadas pelo estudo antropológico não-empírico, especulativo e generalizado; e, como consequência mediata de tais discussões, foi desenvolvida a chamada Escola Funcionalista, a partir, essencialmente, dos estudos de Émile Durkheim (1858-1917).
O sociólogo, antropólogo, filósofo e cientista político parisiense, influenciado pelo positivismo Comteano[1] e pela abordagem científica da humanidade Spenceriana[2], trouxe os elementos do “funcionalismo” e da “analogia orgânica” ao estudo do homem.
Em linhas gerais, então, o funcionalismo durkheimiano objetiva compreender e explicar a sociedade e suas relações por intermédio de analogia orgânica. Tanto significa comparar os mecanismos sociais aos mecanismos inerentes aos organismos biológicos, traçando paralelos entre grupos sociais e células de um ser vivo: da mesma forma que um organismo vivo, uma sociedade é capaz de viver, reproduzir-se e funcionar através de um sistema organizado em diversas partes e órgãos, que interagem conjuntamente.
Assim, o objeto central de estudo da Escola Funcionalista são os fenômenos sociais, ou a função que os indivíduos exercem em uma sociedade particular para manter o todo.
Essa teoria durkheimiana foi posteriormente reexaminada e redesenvolvida, em âmbito da Grã-Bretanha, por Bronislaw Malinowski (1884-1942) e por Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) em suas Teoria Funcionalista Biocultural ou Psicológica 1910) e Teoria Estrutural-Funcionalista (1930), respectivamente[3].
A Teoria Funcionalista Biocultural ou Psicológica de Malinowski foi formulada pautada nas necessidades básicas bio-psiocológicas dos indivíduos, que são considerados o motor da estrutura social. Segundo tal teoria, os indivíduos possuem necessidades fisiológicas, que são saciadas pelas instituições sociais; bem como necessidades derivada da cultura da sociedade em que estão inseridos e “necessidades instrumentais” – ou seja, economia, controle social, educação e organização política –, as quais dependem de dispositivos institucionais para serem supridas. E cada instituição social é específica a cada necessidade, possuindo características, conjunto de regras e/ou normas, atividades e funcionamento próprios, além da própria função.
Diante dessas circunstâncias, constata-se que Malinowski firmou seu conceito de “função” a partir das demandas, básicas, biológicas e psicológicas do motor da estrutura social.
Ainda, Malinowski fundamenta integralmente sua teoria a partir da cultura, na medida em que compreende que a cultura é maior do que toda uma estrutura social, abarcando todos os fenômenos – até mesmo os decorrentes das relações sociais.
Por fim, é em razão de todo esse conjunto que Malinowski enfatiza a importância da etnologia à Antropologia, criticando duramente as teorias anteriores, que eram generalizadas e especulativas.
De outro lado, a Teoria Estrutural-Funcionalista de Radcliffe-Brown foi desenvolvida a partir da estrutura social, diferentemente do ponto de partida da teoria de Malinowski – qual seja, as necessidades biológicas dos indivíduos. Nessa linha, Radcliffe-Brown defendia a premissa de que uma sociedade é um sistema autossuficiente, isto é, é um sistema formado por relações que se mantêm a si próprias. Em contrapartida, as instituições sociais consistem em um conjunto ordenado de relações, cuja função é manter a sociedade coesa como um sistema.
Logo, o conceito de “função” para Radcliffe-Brown decorre da “contribuição que uma determinada atividade social exerce sobre a manutenção da estrutura social, do todo integrado”[4]. Noutras palavras, a função decorre da ideia de:
[...] denotar os efeitos de uma instituição (costume ou crença) enquanto concernente à sociedade e à sua solidariedade ou coesão; A noção de uma estrutura constituída de uma série de relações entre entidades de unidades, sendo mantida a continuidade da estrutura por um processo vital constituído das atividades das unidades integrantes.[5]

Outrossim, diferentemente de Malinowski, a Teoria Estrutural-Funcionalista de Radcliffe-Brown se baseava essencialmente no conceito de “estrutura”, que consiste nas
[...] relações sociais estabelecidas na sociedade, onde cada unidade funcional serve como uma espécie de sustentáculo social: a sociedade concebida como um todo orgânico, no qual as partes se interligam para manutenção do sistema e da estrutura, esta se relacionando diretamente com aquela.[6]

Por fim, da mesma forma que Malinowski, Radcliffe-Brown defendeu fortemente a necessidade de realização de estudos empíricos, sustentando ser imprescindível a investigação aprofundada de todos os aspectos decorrentes da vida social.
Destarte, apesar de algumas distinções substanciais, tanto Malinowski quanto Radcliffe-Brown foram de suma importância à reestruturação da Antropologia Social, principalmente pois demonstraram a imprescindibilidade de se estudar a sociedade de modo concreto, isto é, a partir de observações empíricas.


[1] Auguste Comte (1798-1857) é o filósofo francês considerado o pai da Sociologia e do Positivismo.
[2] Herbert Spencer (1820-1903) foi um filósofo, biólogo e antropólogo francês admirador de Charles Darwin (1809-1882, naturalista britânico) e considerado um dos expoentes do liberalismo clássico.
[3] Curioso apontar que nenhum dos dois acadêmicos admitia ser teórico da Escola Funcionalista. Neste viés, assim escreveu Radcliffe-Brown: “Apontaram-me mais de uma vez como pertencendo à chamada ‘Escola Funcional de Antropologia Social’ e mesmo como seu chefe, ou um de seus chefes. Essa escola funcional não existe, em realidade; é um mito inventado pelo professor Malinowski. Eis o que ele próprio disse a respeito: ‘o pomposo título de Escola Funcional de Antropologia foi por mim atribuído de certo modo a mim mesmo, e, em grade parte, mercê de meu próprio senso de irresponsabilidade’.” (RADCLIFFE-BROWN, A. R. Estrutura social. Apud PIERSON, Donald. Estudos de organização social – Tomo II: Leituras de Sociologia e Antropologia Social. São Paulo: Martins, 1970, p. 156).
[5] In: idem.
[6] ALVES, Adjair; OLIVEIRA, Emanoel Magno A. de; SANTANA, Iolanda Cardoso de. Radcliffe-Brown e o Estrutural-funcionalismo: A questão da mudança na estrutura e no sistema social, p. 236.
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