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Reportagem “Palco grande do sul”


Sete anos depois do início de suas atividades, o Teatro Feevale se consagra como o maior do Rio Grande do Sul, responsável por recolocar o Vale dos Sinos na rota dos grandes shows.

“Este teatro é magnífico”, foram as palavras do tenor José Carreras diante da plateia do Teatro Feevale, no dia 20 de setembro de 2011. A noite de inauguração do local ficou ainda mais especial quando Carreras anunciou um bis com “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, e emocionou o público de cerca de 1,5 mil pessoas que lotaram o local.
       Sete anos depois, o maior teatro do Rio Grande do Sul, com capacidade para 1.842 pessoas, chega ao saldo de um público de quase 900 mil espectadores, em aproximadamente mil atividades realizadas —e uma quantidade imensurável de frases proferidas que exaltam a sua beleza.
Os elogios são comuns no cotidiano do teatro, que já chama atenção, de cara, pelo lado de fora. Os milhares de condutores e passageiros que trafegam diariamente pelo trecho da ERS-239 que cruza a Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, são contemplados pela visão ímpar que a imponente obra trouxe à paisagem local. Por dentro —uma experiência um pouco mais restrita—, encanta com a riqueza de detalhes desde os inúmeros de assentos, balcões nobres e os camarotes, até o apoteótico palco.
       “Foi um acontecimento não só para a cidade, mas para toda a região”, diz Patrícia Scossi, gerente de relacionamento da casa, ao relembrar a noite da inauguração. Ela mesmo não poupa as palavras: “Foi realmente incrível, emocionante”, diz.
       Esse encanto todo não é por acaso, mas a importância do Teatro Feevale vai muito além de adjetivos e eufemismos. Para Rafael Petry, da Secretaria Municipal de Cultura (Secult) de Novo Hamburgo, o teatro foi responsável por recolocar a cidade na rota de grandes shows, tanto nacionais, quanto internacionais. Localizado a 43 quilômetros de Porto Alegre, o município se consolidou, no final do século XX, como uma potência do setor coureiro-calçadista, tendo ganhado o título de “Capital Nacional do Calçado”.
O palco da diversidade
Se, até aqui, você —que nunca visitou— imagine que o Teatro Feevale seja palco apenas de atrações eruditas, como o tenor José Carreras; está enganado.
       Patrícia explica que, como gerente de relacionamento, e responsável, também, por parte da programação da casa, uma das maiores preocupações é a de receber atrações diversificadas, fazendo jus à miríade cultural brasileira. “O nosso desafio é sempre buscar diversificar, para que a gente atinja o maior número de pessoas, não só em quantidade, mas das mais diversas faixas etárias e classes sociais”, detalha.
       Não obstante, a estrutura do local foi projetada justamente para contemplar esta variedade. Segundo Patrícia, a casa recebe, além de shows musicais, espetáculos de dança e humor e, ainda, palestras, seminários, workshops e as solenidades de formatura dos alunos da instituição. “O Teatro Feevale tem para todos os perfis de público”, conclui.
       Neste mês de setembro, no qual são comemorados os seus sete anos, o teatro recebeu atrações de todos os tipos, como as apresentações dos cantores Nando Reis e Paula Toller e da dupla sertaneja Victor & Léo; a palestra Amor e bom humor contra o Alzheimer; e o humorista Jair Kobe com a nova temporada da peça de seu personagem Guri de Uruguaiana, A Missão —como a comemoração oficial pela data. Em agosto, o teatro sediou, ainda, a estreia do documentário Für Immer - Gerações, que conta histórias sobre descendentes da colonização alemã na região do Vale dos Sinos.
       Diversidade, essa, dada não por conta de gêneros musicais ou tipos de espetáculo, mas sim, por pessoas. Os bacharéis em moda pela Universidade Feevale Érica Ruschel e Guilherme Ganc aproveitaram a oportunidade que tiveram para dar voz —ou, ao pé da letra, palco— à comunidade LGBTQ.
       No desfile das coleções que apresentaram como trabalho de conclusão do curso, ambos abordaram a temática. Para Érica, falar disso ao público do teatro é desafiador. “É importante colocar em voga estes assuntos, visto que além do público LGBT ganhar força e voz, também aproxima as drags da comunidade”, ela completa.
       “Desenvolvi uma coleção que fosse queer, que viesse pra causar desconforto nos preconceituosos, que não fosse ligada a nenhum gênero, raça, cor, ou orientação sexual”, contextualiza Guilherme. Para o desfile, teve sempre em mente a ideia de selecionar modelos que não correspondessem aos padrões de beleza impostos pela sociedade. “Bastou uma breve análise da atual situação do nosso país”, comenta o diretor de arte, de 24 anos.
De portas abertas
A comunidade hamburguense exerce um papel decisivo na coroação do teatro como uma casa culturalmente democrática e diversa. “Percebemos que a comunidade é muito presente nas atividades que o Teatro Feevale proporciona, sejam eles ações próprias ou de parceiros que utilizam o espaço”, aponta Rafael Petry, assessor da Secretaria de Cultura de Novo Hamburgo.
       Patrícia concorda: para ela, a comunidade local é, além de tudo, alvo de atenção, e que a equipe se preocupa em despertar, nos espectadores, a consciência de que o espaço e as atividades nele realizadas são para o uso de todos. “A gente sempre se preocupa em oferecer, também, atividades gratuitas, como concertos que a universidade realiza, ou até mesmo palestras”, Patrícia explica.
       Estas ocasiões, por sua vez, acabam se tornando especiais. É em eventos como os concertos gratuitos do Movimento Coral Feevale e o desfile das coleções criadas pelos estudantes do curso de moda da universidade que aproveita-se, ainda, para arrecadar doações de alimentos que são destinados à instituições de caridade.
       O Movimento Coral Feevale, assim como o Teatro, celebra seu aniversário no mês de setembro, e realiza um espetáculo cujo repertório contempla os mais diversos estilos musicais. “Somos todos voluntários, e eu acho que a gente apenas devolve para a sociedade aquilo que a gente ganha”, acredita Ariel Andrea, empresária e cozinheira. “Quando a gente está naquele palco, que todo mundo que está lá, vai porque quer; que quer fazer a doação de um quilo de alimento para o Banco de Alimentos; que quer ver o seu familiar ir lá; realizando o seu sonho; a gente ganha uma energia tão boa, que a gente apenas devolve para a comunidade tudo aquilo de bom que ela nos dá”, detalha.
Subo neste palco
Subir ao palco do maior teatro do Rio Grande do Sul não deve ser uma tarefa muito fácil —imagine-se colocar diante de quase duas mil pessoas que esperam de você um espetáculo nos trinques—, mas, certamente, tem seu brilho.
       Carlos Alberto Klein conta que, ao longo de seus 26 anos de carreira, teve a oportunidade de conhecer vários espaços cênicos e culturais de todo o estado, mas que considera estar no palco do Teatro Feevale um grande privilégio. Junto de Jair Kobe, o ator, escritor, diretor de teatro e produtor cultural, conhecido por sua personagem Herta Klein, participou do espetáculo em comemoração aos sete anos da casa. “[Comemorar a data] tendo a oportunidade de estar no palco como a Herta é sem dúvida um imenso privilégio para mim”, conta.
       Como um artista regional, cujo principal personagem as características são muito próprias do imaginário e do cotidiano locais —Herta é uma típica descendente de alemães, de sotaque forte; o que facilmente conferiria a ela, porém não de forma pejorativa, a alcunha de “colona”—, ocasiões como esta se tornam uma grande oportunidade de consagrar um trabalho. “Artistas de renome nacional e internacional passaram pelo Teatro, trazendo a pomposidade dos grandes eventos para o Vale dos Sinos, […] e dividir esta história e vivenciar experiências é, sem dúvida, o ponto mais alto destes sete anos”, completa.
       “É uma sensação muito mágica”, adiciona Ariel. “Como eu não sou uma artista de profissão, eu sou uma voluntária do Movimento Coral Feevale, tu ter esse privilégio de fazer o uso de toda a estrutura —e não é pequena— é mágico. A palavra correta é magia. Parece que tu está em um conto de fadas”, revela.
       O guitarrista da banda Nenhum de Nós, Carlos Stein, conta que, desde cedo, o grupo ocupou espaço em teatros para mostrar o seu show, pois acreditam serem os lugares mais adequados para isso. Para ele, os teatros têm uma atmosfera que ginásios e lugares ao ar livre não possuem. “Conhecemos teatros por todo o país e mesmo fora do Brasil. O teatro da Feevale é um dos melhores espaços que já tocamos”, revela o músico. “A estrutura de palco, camarins e acessos é praticamente perfeita. Assim como a acústica e a caixa cênica, que permite usar todo o nosso cenário”, prossegue.
       A banda é uma das atrações favoritas do público e sempre deixa a casa cheia. “É muito gratificante, também, saber que estamos contribuindo na formação do público que frequenta o teatro. Sabemos como isso é importante e como é um ativo valioso. Desde nosso primeiro show encontramos um público que demonstra um interesse genuíno por aquele momento em que convivemos”, diz Carlos. “Sinto, também, orgulho quando, mesmo indo a outros destinos, passamos pela rodovia em frente ao teatro da Feevale. É mais uma fonte de orgulho para nós, gaúchos, ter um teatro desses”, conclui.
       “A partir disso”, aponta Rafael Petry, “ter um lugar como o Teatro Feevale em nosso município é algo de extrema importância”.
       Ser capaz de receber tantas pessoas, das mais diversas classes, etnias e credos, para assistirem às mais diversas atrações, e evocar, em cada um —seja no palco ou na plateia— uma gama maior ainda de emoções, consagra o Teatro Feevale como o maior teatro do Rio Grande do Sul não apenas por sua grandeza espacial, mas, principalmente, de atmosfera. É nos palcos onde a magia acontece e pode-se permitir ser quem quiser —ou quem realmente é.
       Para Patrícia, não há dúvidas: “A Universidade Feevale foi muito feliz quando investiu nesse empreendimento cultural”, conclui.


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