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A semiótica grandiosa e ambígua de Darren Aronofsky

A semiótica grandiosa e ambígua de Darren Aronofsky

Semiótica é a ciência dos signos, a ciência geral de todas as linguagens. Ela se fundamenta em explicar todas as formas do homem se comunicar, abrangendo linguagens orais e não orais, é o que nos ajuda a olhar o mundo.
Charles Peirce (1839 – 1914) foi um filósofo, pedagogista, cientista, linguista e matemático americano que no século XX veio como mestre da semiótica. Dentro da semiótica temos o uso dos signos, que é tudo que nos faz lembrar algo e é perceptível aos nossos sentidos, é a essência da semiótica e a concepção de que “é uma coisa que faz lembrar outra coisa”. Para Peirce, o signo se divide em representamen (parte perceptível que traz a lembrança de algo de fora), objeto (no caso, a “coisa” propriamente dita) e interpretante (quem recebe a mensagem). Então se cria a tricotomia, que consiste na relação direta do interpretante, signo e objeto, onde um conecta-se a outro para gerar a comunicação. Temos mais comumente o signo ligado ao objeto, que faz um ícone, um objeto a ser representado.
A semiótica do cineasta Darren Aronofsky consiste em temas surreais e perturbadores. Aronofsky frequentou a Universidade Harvard, onde estudou cinema e antropologia social, e tem em seu currículo grandes obras com opiniões controvérsias como Noé (2015), Réquiem para um sonho (2000), Pi (1998), A Fonte da Vida (2006), mas trataremos apenas de duas de suas produções O Cisne Negro (2010) e Mãe! (2017), que deram espaço a discussões e criticas largamente explosivas, positivamente e negativamente. Darren Aronofsky traz como característica a visão do protagonista em tomadas de câmeras de costas, simbolizando a visão de mundo do personagem, peso nas suas costas e o desejo de fugir do universo atrás de si. Assim como o espelho em Cisne Negro também é usado como forma de materializar e conectar a imaginação com a natureza, Aronofsky te obriga a entrar na pele do personagem e sentir todo o incômodo que ele sente, mas não só isso, ele também bebe da fonte do surrealismo, se inspirando em René Magritte (1922 – 1967), em especial com duas obras: "A Traição das Imagens" (1928-29) e “Não Para ser Reproduzido” (1937). Em "A Traição das Imagens" temos o signo em sua essência mais pura, uma linguagem visual e verbal muito literal do que Magritte quis dizer, assim como Aronofsky trabalha em suas metáforas com histórias já amplamente conhecidas como a história da humanidade contada pela perspectiva bíblica e “O Lago dos Cisnes” (Pyotr Ilyich Tchaikovsky, 1875–76). E em “Não Para ser Reproduzido”, como toda a entrega da mãe à casa e seu casamento e de Nina ao balé, ninguém poderia reproduzir por elas a dedicação, é algo que parte da essência e fundamentação das personagens, que só elas possam executar aquela tarefa, mesmo que as leve à obsessão.
Aronosfky traz, através do terror, questões e angústias que perpetuam na nossa mente, nos obrigam a pensar e além da trilha sonora e do roteiro, ele traz visualmente essa sensação incômoda e claustrofóbica a Mãe! e Cisne Negro, além da sensação propriamente dita, com tomadas de câmera que nos fazem sentir muito mau estar, principalmente no primeiro ato. Mas pode se dizer que é uma marca do diretor, como por exemplo, em “Pi”, onde ele nos apresenta um matemático paranoico, e todo o filme é em preto e branco, sem escala de cinza como em filmes antigos. O protagonista não consegue ver nas entrelinhas, então o preto e branco é apresentado como uma forma de apresentar um mundo sem subjetividades. E ai em “Réquiem para um sonho” a técnica “hiphop montage” que consiste em fazer cortes rápidos, eliminando o tempo de pausa e respiração entre as falas, fazendo os diálogos ficarem difíceis de serem acompanhados, o que se encaixa na temática do filme que tem um protagonista viciado em drogas, ele sempre tem essa dificuldade de acompanhar os diálogos, então isso é transportado a nós através da “hiphop montage”. E em “O Lutador” (2009) e “Fonte da Vida”, onde a obra e o empenho do diretor obrigaram os atores a abrirem todo seu talento e explorar seus limites artísticos.
Aliás, esse ultimo item citado pode ser tratado como uma metalinguagem já que em vários de seus filmes Aronofsky trabalha a paranoia e a obsessão no caminho do sucesso, quase que como um vício. Esse limite entre a disposição para conseguir o que quer, e conseguir a qualquer custo faz parte da sinopse e de toda a roupagem de Mãe! e Cisne Negro. Em Mãe!, temos a personagem da Jennifer Lawrence sempre obcecada e determinada em manter a organização e funcionamento da casa, onde ela deposita todas as suas energias. Seu marido, interpretado por Javier Bardem, é um escritor frustrado, que ao concluir sua segunda obra, se vê obcecado pela consolidação e o sucesso como afago ao seu ego. E então, em Cisne Negro temos Nina, que abre mão de sua integridade física e mental para ser a primeira bailarina em Lago dos Cisnes. Esses três personagens, quando vistos apenas de forma literal, sem suas metáforas e significados, podem ser a personificação do vicio, entregue por Aronofsky. Mas ainda podemos explorar mais afundo as semelhanças das duas obras.
A personagem mãe e Nina tem personalidades completamente passivas. Mesmo que ambas tenham papeis vitais em suas funções, elas são passivas, facilmente controláveis, abusadas, nunca tem suas vontades ouvidas, pode-se perceber como a mãe tem poucas falas, ela usa muito do silêncio, e Nina fala pouco, fala baixo, sua voz quase não sai, e são sempre fontes de inspiração, mas nunca são as mentes criativas. Ambas são pouco reativas e muito sufocadas, podendo traçar paralelos em diversas cenas. Na cena em que Nina está se masturbando, ao acordar, em seu quarto, é surpreendida ao ver a mãe dormindo ao seu lado. Mãe é repreendida pela personagem da mulher, interpretada por Michelle Pfeiffer, por usar roupas transparentes dentro de sua casa. Repare que as duas estão em seus ambientes tidos como “lar”, onde elas deveriam se sentir seguras e em completa privacidade, elas perdem isso e não conseguem reagir, apenas aceitam a situação sem darem voz à seu descontentamento com a situação.
E aí, então, temos cenas mais brutais como a cena em que Ele, interpretado por Javier Bardem, beija a força a mãe, interpretada por Jennifer Lawrence, após uma discussão onde ela o acusa de rejeitá-la sexualmente, mas diz a outros que ele quer filhos. Ele a força contra a parede e a beija, mesmo com ela o empurrando, gritando, negando, então ela aos poucos se entrega ao sexo, e os olhos da personagem transmitem prazer sexual e realização. E em Cisne Negro, temos uma cena em que Nina está dançando com seu coreógrafo, e ele a toca, a beija, mesmo Nina se mostrando assustada e com medo da situação. Assim como a mãe, ela se entrega, e a cena é colocada como uma maneira que o coreógrafo a forçou de se soltar. Então Aronofsky é parte do problema? Quando ele levanta a bandeira da representatividade, ele está sendo parte do problema ao usar o vasto campo das ofensas e da violência podendo dizer que é uma denúncia?
Temos duas mulheres pouco reativas e dois homens abusivos, e é nesse momento que se discute as intenções de Darren Aronofsky. Quando temos um relacionamento abusivo e a retratação de uma mulher frágil, até onde é representativo e onde começa ser parte do problema? É genialidade do cineasta transmitindo uma mensagem que seja tão chocante aos olhos ou é apenas o choque pelo choque? É nesse momento que podemos parar para apreciar a grandiosidade de Aronofsky, que faz uma refração com suas obras. Cada pessoa que assiste aos filmes vai absorver, e devolver ao mundo o que ela conseguiu perceber através de sua experiência pessoal e intuitiva. Uma pessoa com uma bagagem de relacionamentos abusivos e receio ao gênero masculino pode sim, enxergar dois personagens abusivos que só respeitam às suas vontades, e alguém com menos bagagem, pode seguir a proposta do espectro da necessidade, onde aquilo era necessário para o crescimento da personagem. Ou temos Aronofsky como um sexista absoluto que usa a representatividade da mulher para ser violento. E mais uma vez, Aronofsky é alvo ou produto da metalinguagem.
O diretor mistura o espectador e o protagonista, assim como as tomadas de câmera te fazem sentir a angústia do personagem, ele também faz com que haja do espectador no personagem quando ele o obriga a usar suas experiências para concluir o que sentiu com o filme. Tanto Ele, quanto o coreógrafo Thom (interpretado por Vincent Cassel) podem justificar suas vontades com o apreço e a urgência de seus trabalhos, mas eles também abrem margem ao fator de identificação, como o abusador. Inclusive, os dois filmes tem finais muito parecidos, com uma entrega total da personagem à dor e a insanidade, um contato de imponência sobre seu abusador, elas se sacrificam por um bem maior, elas mesmas se matam, morrem nos braços de seus respectivos companheiros sexuais, a quem devem toda a responsabilidade de seu abuso e a perda da insanidade que as levaram a se matar, e a redenção pela finalização e conclusão de seus trabalhos, com êxito no último instante quando são aplaudidas pelos mesmos homens e aclamadas pela perfeição da tarefa executada, mas que ainda assim, elas serão substituídas, porque o que era o trabalho de suas vidas, para os dois homens, elas eram apenas um capítulo de suas respectivas carreiras. E por fim morrem envenenadas pelas próprias angústias e paranoias.
Darren Aronofky é, sobretudo, um artista polêmico. Ele causa polêmica, choque, burburinho. Ele sobrecarrega o espectador em medos e agonias, vai afundo de suas entranhas através do terror. Terror esse que mais psicológico que visual, e te faz refletir e ficar desconfortável após acabar o filme. Mesmo sem momentos contemplativos, ele faz com que o terror seja uma ferramenta direta na exploração de toda profundidade que a arte, a filosofia e a antropologia podem trazer.


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