Vitor Guedes's profile

Entrevista com o jornalista Rodrigo Carvalho

Já era quase hora do almoço em Londres quando aqui ainda acordávamos e enviávamos bom
dia um para o outro. Com um copo de café ao lado, ligamos o microfone, a webcam e
contatamos do outro lado do Atlântico o jornalista e escritor Rodrigo Carvalho, repórter e
atualmente correspondente internacional da TV Globo e da GloboNews na Europa.
“Meu nome é Rodrigo Carvalho, sou correspondente do Grupo Globo aqui na Europa,
baseado em Londres, antes fui repórter da Globonews no Rio. Estou aqui há quatro(4) anos e
quatro(4) meses e é isso. Perguntem aí.”
Rodrigo tem 34 anos. É formado pela PUC - Rio, estagiou no SBT do Rio, e na GloboNews.
É correspondente na Inglaterra desde 2016. Nos recebeu muito bem em seu escritório, ainda
que de forma virtual, tirou todas as nossas dúvidas e se mostrou muito acessível e total
disponível mesmo com as três reuniões que tivemos que realizar devido ao limite de tempo
da plataforma Zoom.

Como se deu a escolha da carreira de jornalista?

Bom, foi basicamente por causa de esporte. Eu morava em Niterói, era viciado em esporte,
era botafoguense fanático - ainda sou, e eu sempre consumi muito o jornalismo esportivo,
muito! Meu pai sempre ouviu muito rádio em casa, ouvíamos jogos em rádio e eu adorava
ouvir os comentários, as reportagens. Não só o jogo, mas também gostava de escutar os
outros programas de pré-jogo, pós-jogo, gostava muito daquilo. Então eu sempre tive ali as
três referências muito fortes pra mim: Rádio, meu pai, jornal impresso também, na época não
assinava nenhum jornal, mas comprava com frequência o jornal O Lance e o Jornal dos
Sports - um jornal rosa da época, que nem existe mais, mas que foi um jornal de esportes
muito marcante. O que seria só uma coisa normal de um pré-adolescente que tem seu time de
futebol e é fanático, em algum momento “descambou” para um apego maior, um interesse
maior pelo jornalismo esportivo. Eu lembro que passei a ter muito interesse pelo registro
histórico e pela memória, então até hoje tenho muitos cadernos em casa - na verdade na casa
da minha mãe em Niterói - do Botafogo onde eu colava capas de jornal, reportagens, fotos,
coisas que hoje eu identifico como um sintoma de que eu gostava do registro histórico e da
memória jornalística que era criada no esporte. Mas depois de um tempo aquilo passou a ser
mais do que isso, eu passei a criar uma sensibilidade, um maior interesse com a escolha de
fotos para uma matéria, de sempre reparar qual era o repórter ou a repórter daquela
reportagem e notar os estilos de textos deles, o que era diferente no texto, lembro que eu
também tinha meus colunistas favoritos e nisso eu passei a me interessar por outras editorias
também. Lá em casa meu pai sempre comprava muito jornal, O Dia, o Extra, O Globo, eu ia
primeiro na página do esporte, mas eu dava uma olhada ali em Cidade, Cultura e passei a
criar esse mesmo interesse por outras editorias. Então, eu acho que é culpa do Botafogo,
basicamente. O meu fanatismo pelo Botafogo e pelo jornalismo esportivo virou um certo
vício, no melhor sentido da palavra, em jornalismo esportivo e em jornalismo em geral, e
assim eu fui levado para o jornalismo.

Quais as principais diferenças entre a cobertura internacional e a cobertura
local/nacional?

Olha, a diferença são as mais óbvias, mas que são muito marcantes para mim. A tendência é
que você trabalhe mais, porque a equipe é mais enxuta, você está no fuso horário do Brasil,
então vão te acionar fora do seu horário de trabalho, você fica muito mais ligado nas notícias
porque a equipe é menor, você é convocado para trabalhar com muito mais frequência do que
era convocado no Brasil, porque lá são muito mais equipes disponíveis. Outra coisa é que
você está jogando fora de casa né, a cultura é diferente, a língua é diferente, e assim, o
próprio tamanho da Globo é diferente aqui fora. Quando a gente tem que mandar um e-mail
para pedir para entrevistar alguém, a gente precisa falar: “Olha, a gente é a TV Globo, a
maior da América Latina, uma das maiores do mundo. Esse jornal aqui, que a gente quer te
entrevistar, tem 40 milhões de audiência”. Tem que valorizar o passe. Tudo isso, e mesmo
assim, o entrevistado pode não topar, priorizando a BBC (British Broadcasting Corporation),
a Sky News, e outras TV 's daqui. Então assim, eu acho que existe a diferença da cultura, de
você não necessariamente entender todas as nuances da cobertura, porque você não é daquele
lugar. Mas ainda sim, isso é desafiador, porque te exige uma pesquisa e ao mesmo tempo é
interessante que você tenha esse olhar estrangeiro, que não conhece todas as coisas, porque é
isso que mantém o encantamento e é sempre bom para as reportagens. Eu ainda acho
interessante que, no fundo, é a cobertura “geral”. O repórter que está no interior do Piauí,
cobrindo de tudo também, acidente, violência, política, crise econômica, é o que eu estou
fazendo aqui. Muda o cenário, muda o idioma do entrevistado, mas na ponta do lápis é igual.
Eu acho interessante observar essa semelhança porque não romantiza tanto o posto do
correspondente.

Além de jornalista, você também é escritor e já lançou trabalhos notáveis como “Os
Meninos da Caverna” e “Vivos Embaixo da Terra”. Falando das reportagens que
inspiraram esses livros, tanto a reportagem do Chile quanto a da Tailândia. Qual foi o
ponto de partida para aprofundá-las em um livro-reportagem?

Isso é interessante. Esse negócio de livro, né, é uma coisa também que eu não imaginava.
Assim como eu não imaginava trabalhar com telejornalismo nem ser correspondente. Na
idade de vocês, eu gostava muito de ler livros-reportagem. Eu li muitos na época da
faculdade. Eu adorava, porque era uma maneira de entender melhor os bastidores. Não tinha
YouTube, então não tinha muito acesso aos bastidores, aos detalhes. Só que não me imaginei
escrevendo. No livro dos mineiros do Chile (“Vivos embaixo da terra”), quem plantou essa
ideia na minha cabeça - na verdade, quando eu voltei da cobertura, algumas pessoas me
falaram: “Por que você não escreve um livro?”. Uma dessas pessoas foi o Geneton Moraes
Neto. Um grande cara. Ele morreu há uns cinco, seis anos… Ele falava que a causa maior
para ele, no jornalismo, era criar memória. Ele tinha esse olhar de realizar entrevistas que
deixassem alguma coisa do ponto de vista do registro histórico. Sempre foi uma referência
pra mim na redação. Um cara muito pé no chão, nada afetado. Dentro do ambiente de TV -
que você esbarra com umas figuras, os monstros que são criados… O Geneton era o oposto
disso. Aí quando eu voltei dessa cobertura, o Geneton elogiou. Eu fiquei feliz da vida. E ele
falou “Por que você não escreve um livro?”. Eu nem sabia por onde começar. Primeiro eu
quis enxergar o livro, a razão daquela história virar um livro. Saber se a história não tinha se
esgotado na cobertura factual. O Geneton que me abriu portas, mandou um e-mail para a
diretora da Globo Livros da época falando “O Rodrigo aqui, falei para ele escrever um livro e
ele se animou. Topa?” E ela topou.
Esse primeiro livro é mais sobre os bastidores da cobertura. Obviamente ele conta a história,
mas é principalmente bastidores. Então, é um livro que acho que, para os estudantes, tem um
apelo maior. Porque era eu recém-formado, moleque; encantado com tudo que tinha visto ali
- a primeira cobertura internacional, e colocando isso para fora no livro. “Os Meninos da
Caverna”, já é um livro que navega mais em significados. Esse eu demorei mais para
enxergar, e quis escrever algo que não fosse factual. O que me entusiasmava seria um livro
que falasse sobre o contexto político, social daqueles meninos. Eu escrevo umas crônicas
desse livro - eu escrevi pela primeira vez - que têm um tom mais pessoal. Sobre os grandes
elementos dessa história: futebol, morte, infância. Eu voltei para lá, para encontrar os
meninos. Então, o fio condutor do primeiro foi os bastidores da reportagem e, do segundo, o
contexto daqueles meninos. Eu tinha percebido na cobertura factual que aquele resgate
ajudava a explicar - em boa medida - a cultura da Tailândia, o povo de lá. Era trazer esse
contexto político, social e religioso, que falasse da origem dos meninos e do significado dessa
história.

Qual o diferencial de uma reportagem que se transforma em um livro-reportagem?

Eu acho que o determinante é a relevância e a quantidade de detalhes daquela história. É um
aspecto de tamanho. Você percebe que tem uma história que cabe melhor num livro. Esse é o
primeiro critério. Não é qualquer reportagem que pode virar um livro. No livro dos meninos,
por exemplo, eu demorei a ver : “Como vai ser esse livro?”; “Por que ele existe?”; “Em que
eu posso avançar?”. Aí quando eu encontrei a origem dos meninos, onde eles nasceram. Oito
dos doze meninos eram apátridas. Eles não tinham documento de nenhum país. Porque
haviam nascido em Myanmar, perto da fronteira, e foram para Tailândia muito cedo. Isso me
interessava. Explicar porque se tornaram assim, que história é essa, de onde eles vieram.
Acho que é buscar elementos que caibam num livro. Às vezes você tem uma reportagem
investigativa, que você pode dar mais contexto num livro.

Você participou da produção de um documentário sobre a Torre de David. Como se deu
essa ideia? E quais as experiências do jornalismo que você levou para o desenvolvimento
do documentário?

Numa das minhas viagens pra Caracas, para cobrir... Não lembro exatamente qual foi a
cobertura em que vi a torre pela primeira vez. Eu estava passando de carro com o Guerardo,
produtor local que trabalhava comigo. Aí eu vi a Torre de David. Eu nem sabia que se
chamava Torre de David, mas eu vi aquele prédio imenso, no centro de Caracas. É muito
marcante, dá pra ver de vários lugares. É um arranha-céu. Perguntei pro Guerardo “Que
prédio era aquele?” porque eu vi lá: tinha tijolo aparente, as casas ali, varal, roupa do lado de
fora. E ele fala: “Torre de David, é um prédio que foi construído pra ser um banco, nos anos
90. Mas o dono morreu e a família não teve estrutura nem fôlego financeiro para continuar a
obra. Foi ocupado por quatro mil pessoas, fazia muito tempo já”. E eu achei aquilo incrível,
do ponto de vista jornalístico. Entrar ali, contar as histórias daquelas famílias. E, naquela
época, a Globonews estava começando a fazer documentários próprios, então tinha um
estímulo interno para que as pessoas sugerissem projetos de documentários.
A torre tem fama de ser um lugar perigoso. O Guerardo conhecia um cara que tinha um bar
ali na esquina da torre, quase em frente, e conhecia a maioria das pessoas que moravam lá. E
a torre, claro, tinha síndico, pessoas que organizavam e respondiam pelo prédio. Fui naquele
bar, conheci o síndico, e naquele mesmo dia consegui gravar uma matéria pro Jornal das Dez,
da Globonews. Uma matéria de três minutos. Eu usei aquela matéria como um piloto pro
documentário. Mandei pra direção da Globonews e falei: “Essa matéria aqui. Esse lugar
rende um documentário, com certeza”. Eu sugeri o documentário e eles toparam. Voltei pra
lá, a gente foi com uma equipe maior. Eu fui com o Júlio Molica, meu amigo, que hoje
trabalha no Profissão Repórter, e fomos com três cinegrafistas venezuelanos. Passamos uma
semana lá, batendo nas portas, indo atrás de histórias daquelas famílias. Eu tenho uma
memória muito forte de curtir muito o processo: de bermuda, sem nenhuma obrigação de
fazer entrada ao vivo ou matéria pro dia. Estava ali para o documentário.Num lugar incrível.
Visualmente incrível, a torre. E com muita história, das famílias e do próprio prédio. E que a
gente foi indicado ao Emmy. A gente ganhou um prêmio em Las Vegas, no festival de TV de
Nova York. Nosso humilde documentário deu uma circulada boa. Foi o primeiro trabalho da
Globonews indicado ao Emmy, então foi importante também internamente. Surgiu numa
cobertura factual. Isso é legal também, você estar numa cobertura factual e o olhar atento
poder te levar para outros caminhos.
Eu vejo principalmente dois casos de correspondentes: os que viajaram por conta própria e
conseguiram vender um trabalho e os correspondentes/enviados que se estabeleceram por
lá (no exterior). Você se enxerga estabelecido aí em Londres? E hoje, seria difícil pensar
em um retorno ao Brasil?
Eu gosto muito daqui, me vejo muito adaptado. A cidade é ótima. Mas eu me vejo voltando
para o Brasil sim. Eu tenho saudade de cobrir as questões brasileiras. Então, eu não me
imagino, por exemplo, como a Ilze Scamparini, que está na Itália… não sei nem dizer, deve
estar uns vinte anos. O que eu penso, antes de voltar ao Brasil, seria ir para outro país. Eu
teria a experiência de continuar como correspondente, só que em outro país. Acho que seria
interessante.

Para finalizar, você poderia deixar um recado para os nossos amigos estudantes de
jornalismo da UFF?

Não vou ficar só destacando as dificuldades dessa profissão. Eu sei bem delas. Vocês vão aos
poucos, cada vez mais, saber das dificuldades, através de professores e outros profissionais.
Eu confirmo, não é simples, não é romântico e nem fácil. Mas o meu ponto principal é: se
vocês sentem o entusiasmo com essa profissão - em serem jornalistas, se isso está claramente
em vocês, sigam em frente. Eu sou realmente um entusiasta, e acho que, mais do que nunca, a
gente precisa de quem tem esse entusiasmo, esse comprometimento. Vivemos um momento
em que está muito claro que o jornalismo é importante. Além dele ser fundamental, ele
precisa de gente que tenha noção do valor que essa profissão tem. Contem comigo, pra
mandar dúvidas, isso aqui que a gente está fazendo. E sigam em frente, e mais do que nunca,
olhando e valorizando todas as possibilidades. É o momento interessante do mercado de olhar
pro lado e valorizar a mídia independente. Ver nisso uma possibilidade muito rica de exercer
o jornalismo. Rica em causa, porque uma democracia precisa de uma mídia independente
fortalecida. Rica em ofício, ser repórter de um Intercept, um canal fundado com seus amigos.
É preciso ver valor nisso, e não achar que isso é menor que ser repórter da Globo. Eu sei que
estou numa posição que sugere uma coisa diferente, mas valorizem isso. Olhem pro lado.
Têm muitos projetos legais e vejam isso como uma coisa boa do mercado. Daí a importância
de ter esse entusiasmo do jornalismo como um todo, como um ofício. Ser parte dessa roda do
jornalismo brasileiro, que não é só o jornalismo dos grandes conglomerados de comunicação.
É uma coisa que é grande, sabe.
Entrevista com o jornalista Rodrigo Carvalho
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Entrevista com o jornalista Rodrigo Carvalho

Produzido por Alexandre Melo e Vitor Guedes para a disciplina "Teorias e Técnicas de Reportagem".

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