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Entrevista: João Paulo Nunes, A Perspectiva da Verdade

João Paulo Nunes tem 41 anos e vive em Londres há mais de 10. Possui uma carreira sólida como chefe de projectos educativos mas quis o destino que se esbarrasse com o jornalismo: criou um blog e desde então não tem parado de escrever e de viajar.
 
 
O ponto de encontro era Trafalgar Square. João Paulo ia apanhar o metro em Stockwell, zona da sua residência, para vir ao meu encontro - 14h00 foi a hora combinada. Ao longe - e rodeado por uma multidão - avistei João que vinha apressado e trazia consigo café e um jornal debaixo do braço. O céu estava nublado mas o sol aparecia de vez em quando para aquecer o dia frio. Chegando à minha beira sorridente, o jornalista desculpa-se pelo atraso de 5 minutos e culpa o metro.
Está sempre com um sorriso na cara, parece que nunca está cansado…
Estou fatigado (suspiros). Cheguei ontem de viagem do Chile. Mas é bom estar cansado é sinal de muito trabalho (satisfeito).
 
De Tafalgar Square vamos caminhando em direcção ao St. James park. João vai-me contando pormenores das suas viagens ao mesmo tempo que bebe o seu café. Deparamo-nos com um banco cuja vista deslumbra um lago e, ao longe, o Buckingham Palace. Sentamo-nos.
 
Licenciou-se em Línguas literaturas e culturas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e tirou mestrado em estudos anglo-americanos na mesma faculdade. Quis ficar em Portugal nessa altura?
            Nessa altura ainda não sabia. Quando acabei o mestrado estive a estagiar como professor de línguas na madeira só que surgiu a oportunidade de vir tirar um doutoramento para Londres em 2001 através de uma bolsa que o King’s College estava a disponibilizar. Assim que aqui cheguei apaixonei-me pela cidade: eu nunca tive muito aquela ideia de sair do país, mas ficar em Portugal também não me atraia. Foi um tiro de sorte ter possibilidade de vir fazer o doutoramento para esta bela cidade.
 
    O ensinou britânico diferiu muito do português naquela época?
            Diferiu (pensativo), uma coisa não tinha nada a ver com outra. Portugal estava e está ainda agarrado a uma certa tradicionalidade e preocupam-se mais com a obtenção de uma nota final. Em londres isso era importante mas os professores davam mais relevância à criatividade e aos espirito de iniciativa do aluno. Na altura fiquei muito desapontado com o curso porque eu vinha de Portugal com muito material teórico e aqui precisava de material prático porque os métodos eram muito diferentes. Mesmo assim acabei por andar mais a visitar a cidade e a consumir arte do que a participar no curso (risos).
 
            Não admira que tivesse acabado por ficar em londres…
            Fiquei aqui porque senti que esta cidade era especial. Não cheguei a acabar o doutoramento, deixei o curso em 2001 com o título de MPhill1. Não queria voltar para Portugal, mas tive logo sorte: comecei a trabalhar em gestão de projectos educativos. Em 2004 comecei um trabalho na ordem dos advogados (Royal Institute of British Architects, ou RIBA) onde estive até 2006 também em gestão de projectos. Saí da RIBA para ocupar o cargo de vice-director de relações com antigos alunos da London School of Economics mas acabei por voltar à RIBA em 2007 quando abriu a vaga para chefe de projectos educativos que é o cargo que tenho desde então.
 
“…Para escrever é preciso ter qualidade de escrita que muitos jornalistas, infelizmente, não têm.”
 
            A carreira de jornalista surge quando decide fazer um blog de moda e arte, como surgiu a ideia?
            O blog é muito recente. Surgiu porque eu sempre gostei de escrever, tanto por me ter licenciado em algo muito direccionado para isso como por gosto pessoal. Sempre me disseram que eu tinha talento para a escrita. Pessoalmente, eu sabia que escrevia bem, e sabia que para escrever também é preciso ter qualidade de escrita que muitos jornalistas, infelizmente, não têm. Por, outro lado, eu sempre adorei moda, arquitectura, design, ou seja, arte. Quando criei o blog em 2011 sabia que ia estar a criar algo de pequena dimensão, algo que eu ia fazer para mim e para as pessoas que gostam desta temática. As coisas aconteceram muito rápido: os meus artigos foram sendo elogiados pela crítica e pela indústria de arte. O blog foi ganhando reconhecimento para algumas companhias de moda, arte, etc. Estas começaram a chamar-me para fazer a cobertura de eventos. Muitos jornalistas pediram-me para escreverem para o meu blog e desde então tudo foi correndo a meu favor. Depois disso veio a consagração: entrei para a lista dos melhores blogues para o British Fashion Council e para a Fashion Foward (que organiza o São Paulo e Rio de Janeiro Fashion Weeks) e basicamente tornei-me um jornalista freelancer.
 
 
 
“O jornalismo não depende de um canudo, depende de um talento e de uma vontade em querer fazer”
 
            Considera que foi só o acaso que o levou para o jornalismo?
            Foi o acaso, foi o blog, foi a curiosidade, foi um desenrolar de acontecimentos (diligente). Quando abri os olhos parece que já estava a cobrir uma série de eventos e a ser convidado para colaborar com vários meios de comunicação, tais como o The Huffington Post. Aliás, a partir do momento em que comecei a colaborar com um meio tão conhecido e tão influente como esse, senti-me jornalista: as pessoas mudaram a forma como me viam, deu-me muita visibilidade, eu já não era só o chefe de projectos na RIBA ou o bloguer, eu era um jornalista que escrevia artigos para um site de notícias online, tinha-me tornado verdadeiramente um freelancer. Pertencer a um meio deste nível dá outra notoriedade, quer eles publiquem aquilo que eu escrevo ou não, porque muitas vezes não publicam (ridicularizando a situação).
 
            Acha que ainda existe muito aquele cliché de que para se ser jornalista é preciso o curso?
            Há jornalistas que escrevem pessimamente mal (sem nenhum rigor) e há pessoas comuns capazes de fazer textos incríveis. Isso é muito subjectivo… Em Portugal, por exemplo, quando começaram os cursos de jornalismo e comunicação as pessoas criaram aquele cliché de que só os licenciados nessa área podiam exercer, mas esquecem-se que nos meios de comunicação portugueses há muitos jornalistas que nem sequer têm licenciatura e eu não acho que isso esteja mal. O jornalismo não depende de um canudo, depende de um talento e de uma vontade em querer fazer. Em londres, pelo contrário, há toda uma liberdade pois o que interessa primordialmente é informar. Em Londres o jornalismo não é só visto como uma profissão mas também como um ponto de comunicação entre pessoas. Eu sou freelancer porque criei um blog que as pessoas gostaram e seguiram para estar informadas acerca daqueles temas. A partir do momento em que o que eu faço tem qualidade e tem interesse para certos públicos, eu estou a informar e a comunicar.
 
“Se eu vivesse só como freelancer não conseguiria pagar as despesas.”
 
Está a afirmar que qualquer comunicador pode agora ser jornalista?
É uma questão complicada saber distinguir a linha que actualmente separa um comunicador de um jornalista. A tecnologia e as redes sociais, como é exemplo o Bloguer, vêm alterar tudo o que anteriormente era concebido para o jornalista. Distingue-se o profissional do jornalismo que é pago para exercer a sua profissão do jornalista-cidadão que, por iniciativa própria, interage com os públicos à sua volta.
 
Ser freelancer é uma profissão enganadora para quem está de fora?
Ser freelancer é péssimo! (Risos)
Quem é freelancer normalmente fá-lo por gosto pois infelizmente é um trabalho muito mal renumerado. Se eu vivesse só como freelancer não conseguiria pagar as despesas. Eu não escrevo só para o The Huffington Post, também escrevo para a Details Magazine, para a GQ, Tatler, Dash, etc. e o que muita gente não tem noção é de que muito do meu trabalho não é pago. Quer seja no jornalismo cultural mais virado para revistas, quer no informativo, há uma crise profunda. Não há dinheiro para pagar aos freelancer, isso acontece tanto em Portugal como em Inglaterra como nos EUA. Trabalho costuma haver sempre através de convites para cobrir eventos ou para fazer alguma reportagem. O que fazem comigo é pagarem-me as deslocações: dão-me a oportunidade de viajar, de escrever sobre o que gosto mas não me pagam os artigos que escrevo. E mesmo quem não é freelancer também é mal remunerado.
 
Os convites permitem-lhe estar sempre a viajar mesmo que não lhe paguem o artigo, isso não é um pouco paradoxal?
            Se mandassem um jornalista da casa cobrir algo teriam de lhe pagar as deslocações e o artigo, a um freelancer pagam só as deslocações. Ficam a ganhar muito e eu tenho a sorte de poder viajar, podem não me pagar os artigos mas faço aquilo de que gosto.
 
“Uma coisa que me irrita é a cobertura dada ao futebol, outra coisa é o sensacionalismo.”
 
            Como é que alguém que viaja tanto vê a crise?
            Vejo a crise em todo o lado (sério). Em Londres vejo a crise numa escala menor do que a vejo noutros países, é certo. Neste último mês estive na Rússia e no Chile: vejo crise mas também vejo pessoas determinadas em ultrapassá-la. O contrário acontece em Portugal. Eu já lá não vou há alguns meses mas na época de 90 eramos mais dinâmicos, agora somos mais pessimistas – há uma crise de valores que afecta todos os sectores e que noutros países eu não vejo.
 
 
            Segue os meios de comunicação em Portugal?
            Depende…no início, quando cá cheguei, seguia as notícias através da internet, agora perdi esses hábitos. Vou vendo algumas coisas, as mais importantes… mas sinceramente não tenho muito interesse em seguir porque faz-se jornalismo de péssima qualidade em Portugal. Uma coisa que me irrita é a cobertura dada ao futebol, outra coisa é o sensacionalismo. E depois há também uma enorme falta de rigor na escrita, os únicos jornais que se vão aproveitando são o Público e o Expresso.
 
            Sabia que o público implementou o pay-per-view?
            Não, não fazia a mínima ideia (admirado). Não tinha noção de que em Portugal ainda se pagava para ver conteúdos online.
 
Isso confirma o momento mau que o jornalismo está a passar?
Sim, os jornais impressos não têm dinheiro. Em Inglaterra é impensável pagar para aceder a conteúdos online pois as pessoas não querem perder tempo a ler notícias e por isso não querer pagar. No online a estratégia são artigos curtos com acesso a uma serie de imagens e vídeos, mais do que x caracteres é suicídio. O problema é a grande quantidade de recursos que existem: as notícias são vistas no tablet ou no smartphone, para quê comprar o jornal?
“ Só uma pequena parcela de pessoas compra um jornal ou uma revista.”
 
Já não compra o jornal?
            Eu compro, mas eu sou jornalista (risos). É claro que a questão das novas tecnologias alterou os meus comportamentos: eu passei a comprar o jornal ao fim-de-semana e durante a semana sigo as noticias através do smarphone/computador. Mesmo assim, no metro, não dispenso ler o The Evening Standard (mostra-me o jornal que trazia consigo) que tem uma historia curiosa: começou por ser um jornal pago só que perdeu publicidade efoi à falência. Mais tarde foi posto a circular gratuitamente e começou a ser um sucesso, voltou a ter publicidade e patrocínios. É o jornal que toda a gente lê no Underground, mais do que o Metro, que também existe em Portugal, mas que não é tão bom. Para além disso, também há várias revistas distribuídas gratuitamente. Comprar um jornal ou revista diários é uma utopia.
 
            O futuro está no digital?
            Sem dúvida (decidido). Cada vez mais se aposta no jornalismo online porque as pessoas não têm tempo a perder. Por isso, muitas revistas estão a deixar de ser vendidas mensalmente para serem vendidas trimestralmente ou até semestralmente. As opções de escolha são grandes e só uma pequena parcela de pessoas compra um jornal ou uma revista. A partir de agora só revistas e jornais especializados vingam nesta era digital, nunca os diários.
 
Como é visto um texto longo na era digital?
Vive-se na teoria de que muito texto não é lido (conformado). O texto longo não é muito feliz no online devido às novas ferramentas como o vídeo e a imagem e o texto longo não se encaixa nesta realidade. Quem quiser ver uma boa entrevista ou reportagem compra revistas especificadas para isso. As pessoas que consomem noticias online não se interessam por texto, a maior parte fica-se pelos títulos. É preocupante mas é a dura realidade.
 
O jornalismo já não consegue viver sem a tecnologia?
Sim e não, e isso é bom. Se elas existem é para que possamos usufruir delas. Perdem-se algumas coisas mas também se ganham novas. O jornalismo nunca se perde, pelo contrário, se as tecnologias forem bem aproveitadas o jornalismo só tem a ganhar.
 
O que se perde com estas mudanças?
 Perde-se a ideia de que todos consomem jornalismo: quem se quer informar compra o The Guardian e quem quer ver fait-divers compra o The Daily Mail, por exemplo. O jornalismo não se pode agarrar aos parâmetros antigos. No lado negativo, perdeu-se alguma ética e isso é o mais preocupante…
 
 
O Jornalista mudou nos últimos anos. Passou a ser um homem dos 7 ofícios?
Essa é a ideia dominante. Quando me convidam, por exemplo, para cobrir um evento não faz sentido que vá uma equipa, eu próprio tiro as fotografias mas conheço casos em que o jornalista é um faz tudo: coloca o texto, as imagens na internet e faz o texto para o papel. Aquela ideia do jornalista que fotografa, outro que escreve e outro que edita vai-se perdendo porque agora um só jornalista tem capacidade para realizar todas as tarefas.
 
Esta junção de tarefas num só jornalista significa também contenção de custos?
 Sim. Com cada vez menos pessoas a consumir notícias era inevitável. Muitas vezes as peças são feitas com recurso ao mínimo possível.
 
Bom jornalismo é sinonimo de quê?
De credibilidade (determinado). E isso é coisa que muitos jornalistas em Portugal não conseguem ter. Não confirmam as fontes e isso é inadmissível: vejo muitas notícias despejadas para o público muitas vezes sem fundamento (irritado). Se pesquisar notícias portuguesas ou me aparece futebol ou celebridades e isso não tem qualquer interesse público essencial. Por outro lado, também se dá muito pouco valor às notícias internacionais e isso está errado.
 
O jornalista tem um papel fulcral na sociedade?
Sim claro, o jornalista é um mentor de ideais, de convicções. É ele que conduz informação, tem um papel essencial na formação das pessoas e de opinião pública.
 
Quais as perspectivas de futuro para o jornalismo?
Tenho algumas ideias: em primeiro lugar quem quiser informar-se informa-se e quem não quiser não se informa – passa a haver a tal selectividade de que falava à pouco. A crise no jornalismo impresso está à vista e já quase ninguém consegue viver sem um computador. As pessoas foram trocando uma coisa pela outra mas há que haver uma adaptabilidade e francamente penso que os jornais diários não conseguirão adaptar-se a estas mudanças.
 
Está a afirmar que os jornais impressos vão acabar?
Estou a dizer que os diários podem vir a acabar (determinado). As pessoas têm a internet para se informarem diariamente e terão jornais e revistas periódicos para estar a par de assuntos mais específicos.
 
Por, fim… quais as perspectivas de futuro para um freelancer como o João?
Tem sempre surgido trabalho, espero que assim continue. E espero que a profissão de freelancer passe a ser vista de melhor forma pois acho que ainda é um pouco posta de parte.
 
 
Fim.
Entrevista: João Paulo Nunes, A Perspectiva da Verdade
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Entrevista: João Paulo Nunes, A Perspectiva da Verdade

Entrevista a João Paulo Nunes onde se focam as diversas alterações pelas quais o jornalismo tem passado.

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