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Confinaram as estórias

Levantaram-se as persianas ao primeiro cantar do galo, mas não havia ainda sol que justificasse abrir as cortinas. Embaciadas as janelas também não deixavam ver as estrelas, e o quarto escuro era o único céu que lhe valia. 
Mas nascia o sol e acordavam os pardais, e a janela não se abria.
Subia o sol e refogava-se o almoço, mas a cortina não se movia.
Até que se acendeu a luz e lá passou o dia. 
Afinal não se queria era que o mundo entrasse.
Pendurei os dois armários pelas pontas das cinturas. Tomara que o tempo as estique.
Quarto, cozinha. Durmo e cozinho. Lavo e estendo. O tempo que as estique.
As roupas. 
Que a vida não estica, nem enquanto a lavo, nem enquanto a cozinho. 
Mandei-lhe um ramo há dias e uma carta há uns tantos mais
Mas a memória já não lhe conhece morada
E o carteiro já cá nem vem.
Tenho empilhados os poemas e os recortes de jornais
Mas a saudade cobre-os de pó
E nem os breves se lêem bem.

Regarei os canteiros até que a nostalgia me valha. 
Que notícias já não trocamos e as prosas terão sempre falhas.

Confinaram as estórias
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